sexta-feira, 29 de março de 2013

CARTA AO POVO DE DEUS DA DIOCESE DE CRATEÚS NA SECA DE 2012-2013



“Quando Jesus estava junto à descida do monte das Oliveiras, toda multidão de discípulos começaram, alegres, a louvar a Deus em voz alta, por todos os milagres que tinham visto. E diziam; ‘Bendito seja aquele que vem como rei, em nome do Senhor! Paz no céu e glória no mais alto do céu.’ No meio da multidão, alguns fariseus disseram a Jesus; ‘Mestre, manda que teus discípulos se calem.’ Jesus respondeu; ‘Eu digo a vocês: se eles se calarem, as pedras gritarão.” Lc. 19,37-40.

Aos homens e mulheres de boa vontade, aos animadores, catequistas, articuladores das Pastorais, Padres, religiosas, religiosos e Diáconos da Diocese de Crateús;

Às autoridades e órgãos governamentais e não governamentais.

Reunidos em Assembleia Diocesana de Pastoral em Tauá, de 21 a 23 de março deste ano, recolhemos e refletimos sobre o diagnóstico da situação da seca realizado em cada município referente aos anos 2012-2013.

Com a presente apreciação constatamos que a realidade vivida no dia a dia levanta muitos gritos e pede a abertura de coração por parte de quem quer ser discípulo de Jesus, que chamou a si todas as pessoas cansadas e fatigadas para que encontrem alívio.

O grito por água de beber:
·         A quantidade de água é insuficiente para o abastecimento humano e a qualidade da água distribuída é duvidosa;
·         A cobrança feita pela CAGECE ou SAAE da água fornecida em quantidade e qualidade não correspondem aos contratos assinados;
·         A especulação das construtoras de novos bairros que vão inchando as periferias e abrindo novos loteamentos, quando o sistema de abastecimento de água e de esgoto não tem condições de sustentar os imóveis atuais;
·         Existência de reservatórios construídos com recursos públicos e submetidos ao controle e usos de particulares;
·         Águas poluídas ou contaminadas sendo consumidas pelos educandos nas escolas;
·         Comercialização indiscriminada de água sem considerar o potencial disponível dos lençóis subterrâneos (Poranga e Ipueiras);

O grito pelo criatório:
·         Parte significativa do rebanho, sobretudo Bovino já foi dizimado e os que restam (Bovinos, Caprinos, Ovinos, Abelhas) estão perecendo pela falta de água e pastagem, obrigando a vender parte do que ainda resta para sustentar o que sobrou;
·         O milho da Conab Chegou em quantidade insuficiente e sua distribuição foi desorganizada;
·         A forragem nativa como o mandacaru, xique-xique, palmas e as vazantes de capim estão quase consumidas e a compra de rações ou forragens torna impossível continuar com as criações.

O grito por sementes:
·         Anos seguidos com pouca produção fizeram com que as famílias perdessem as sementes tradicionais;
·         As sementes distribuídas pelo governo não substituem as tradicionais, são impróprias ao nosso semiárido, não sendo aceitas pela cultura dos povos do sertão;

O grito por saúde:
·         A alimentação deficiente e contaminada de agrotóxicos, a água de má qualidade, a saúde pública precária e a falta de medicamentos e exames preventivos, tornam as pessoas mais fracas e expostas às doenças e enfermidades;

O grito de quem vai embora:
·         Muitas Pessoas, sobretudo os jovens desistem do campo, passando a inchar as periferias das capitais e de cidades do interior; outras famílias são despedaçadas, quando maridos e filhos vão para o corte de cana, para o trabalho com o gesso, crediários, as lanchonetes... Empobrecendo nossa região das forças mais novas, mais ativas e mais inovadoras em troca de pequenas remessas de dinheiro;

O grito de quem está fora dos programas sociais:
·         Muitas famílias estão fora dos programas sociais por falta de uma Reforma Agrária efetiva e verdadeira, não têm casa para terem direitos a uma cisterna, não têm documentos para terem acesso ao cartão cidadão, comprometendo o direito a aposentadoria e nesse tempo tem menor possibilidade de contar com a solidariedade da grande família que está enfraquecida pela seca;

O grito pela convivência no semiárido:
·         O processo para aprender a conviver nesta terra semiárida, nossa amada terra prometida, anda lentamente;
·         São poucos os municípios que encaminharam uma contextualização da educação. Existe somente uma EFA (Escola Família Agrícola) na região, economicamente não assumida pelo poder público;
·         Isoladas experiências de captação de água de chuva e de irrigação; quase inexistentes a produção de forragens e ensilagem;
·         Não temos reflexão sobre o jeito de planejar, construir e viver no meio urbano, em harmonia com nosso clima e nossas riquezas naturais;

Como resposta a esses gritos nossa Diocese se compromete a:
·         Assumir essa realidade no cotidiano de nossas atividades litúrgicas, catequéticas e pastorais.
·         Revitalizar as Casas de Sementes onde existem e animar o processo de criação onde ainda não tem;
·         Fazer campanhas para adquirir sementes tradicionais que reabasteçam essas casas.
·         Motivar e apoiar mutirões e ações comunitárias para recuperar poços, cacimbões, olhos d’água e fazer a limpeza dos açudes, beira dos rios, cisternas...
·         Multiplicar as Escolas Camponesas, apoiar as EFAS (Escola Família Agrícola), implementar a educação contextualizada em nossos municípios;
·         Apoiar as reivindicações dos trabalhadores (as) (Reforma agrária, saúde, alimentação de qualidade, etc.) junto aos governos municipais, estadual, federal, CAGECE, SAAE, CONAB, BNB e demais instituições;
·         Reestruturar, a nível paroquial, a Comissão Pastoral da Terra, revitalizar o Fórum de convivência com o semiárido, Fórum dos assentados, Associações Comunitárias e qualificar a participação nos conselhos municipais;
·         Repensar os tipos de criações adequados para o semiárido e a maneira de alimentá-las adequadamente em qualquer situação;
·         Inserir a leitura e discussão do conteúdo desta carta nos meios de comunicação, nas assembléias, encontros e reuniões e em todo processo educativo de convivência com o semiárido.

Assim como Jesus entrou em Jerusalém com os mais pobres para celebrar a Páscoa e doar sua vida em plenitude, por amor ao Pai e fidelidade ao Reino e aos irmãos, enfatizando que “se eles se calassem as pedras gritariam”, queremos nos fazer companheiras e companheiros das trabalhadoras e trabalhadores do semiárido nesta situação de morte e vida que estamos atravessando, em defesa e rumo à vida plena conquistada por Jesus em conseqüência de sua missão, martírio e Ressurreição.

Tauá, 22 de março de 2013

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